Obs: A Expoart apenas publica artigos enviados por seus usuários e colunistas.
O conteúdo dos artigos e as opiniões emitidas pelos seus autores são de sua exclusiva responsabilidade.
Coluna >>
Fabrícia Miranda na Bienal do Livro da Bahia
Dia: 5 de novembro, sábado
Hora: 19 horas
Local: Praça de Cordel e Poesia, Centro de Convenções, Jardim Armação
O que não se faz por amor? Eu sempre me posicionei contra o desfile de escritores iniciantes ou jovens escritores, que vivem participando de mesas-redondas e feiras do livro, falando sobre vida e obra aos treze anos de idade. Para pagar minha língua, Fabrícia Miranda resolve participar da Bienal do Livro da Bahia, e pela terceira vez! E com apenas um livro publicado. E é por amor que divulgo sua participação em um evento organizado pelo agitador cultural José Inácio Vieira Melo, em seu “estradar”, por uma ou outra “algarobeira”, “com todo gás”, no “labafero das palavras” desse poeta “doido de pedra” – quem güenta Fagner, e sem melodia?
Acho que escritor tem de ficar em casa escrevendo, lendo, aprendendo a escrever. Depois dos 70 anos, com uma vida e obra, poderá, muito de vez em quando, falar sobre sua vida e obra, por generosidade, não por vaidade. O que vejo, até o momento, é um punhado de jovens escritores falando com uma incrível propriedade sobre o que não viveram e não fizeram. Esses eventos contribuem, e muito, para a formação de uma consistente rede social concreta, real, em que as pessoas vivem se elogiando, porque são todos amigos e dependentes um do outro, exatamente como acontece em blogs e no facebook, e o resultado disso tudo é uma espécie de bonsai, uma árvore que jamais cresce, pois não há, em momento algum, um olhar crítico sobre o que se está a fazer – não há como; afinal, em time que está ganhando não se mexe. O que acho muito estranho, dentre outros selenitas, é poeta, sem estar lançando livro algum, falar de sua vida e obra aos 17 anos de idade (com cara de 13)... E jamais achei interessante ouvir poesia. Uns a transformam em dramaturgia sem curva dramática; outros, em contas de um rosário. Não gosto nem de uma coisa nem de outra. Poesia para mim é solitude. Coisa diferente é ouvir poesia sozinho, Cds com gravação de poetas ou mesmo atores recitando Augusto dos Anjos, Castro Alves, Mário Quintana etc. Ainda assim, não está entre meus programas prediletos. E só vejo alguém em feira de livro que tenha virado fetiche em meu universo: um Rubem Fonseca, um Raduan Nassar, um Dalton Trevisan; ou ainda, autores que muito me interessem, de um modo ou de outro, a exemplo do poeta Nelson Ascher, o poeta Alberto da Costa e Silva, Lêdo Ivo, o baiano João Ubaldo Ribeiro, João Gilberto Noll, Sergio Sant’anna – por causa de seu romance Um crime delicado, e não por causa de seus contos. Recentemente fui à Flica, decepcionante Flica. Flica quer dizer “Festa Literária de Cachoeira”. Se era uma festa, devo ter chegado na quarta-feira de cinzas. Fui por Cachoeira. A cidade era a minha atração, era meu fetiche. E aproveitei para ver Hélio Pólvora, escritor cujos contos me agradam muito – porque me lembram Jorge Medauar; porque são bem escritos.
Fabrícia Miranda, nascida no Rio de Janeiro, há alguns anos morando em Salvador, formada em Letras pela Universidade Federal da Bahia, em 2002 recebeu o prêmio Braskem pelo conjunto de poemas intitulado Ritos de Espelho. Mantém o blog “Cortem a cabeça dela!!” http://fulanaopereta.blogspot.com/, no qual podem ser encontrados alguns poemas inéditos, mais maduros e bem realizados que os poemas do livro premiado. Atualmente escreve um romance sem data para publicação. As datas não a detém, em geral.
Fabrícia dividirá a mesa, no dia 5 do 11, às 19 horas de um sábado, com os poetas Ivan Maia e Lívia Natália. Não conheço a poesia do primeiro; conheço a pessoa: sujeito simpático, inteligente, íntegro. A poesia de Lívia Natália me chegou por uma notícia de jornal, quando do resultado do prêmio Banco Capital. Eu tinha certeza de que era uma bomba, a julgar pelos vencedores das edições anteriores do mesmo prêmio – isso vale tanto para prosa quanto para poesia. Pois bem, é preciso registrar que o grande mérito do Prêmio Banco Capital é o de manter-se fiel a si mesmo: Lívia Natália é mais uma poeta sem o mínimo de inspiração e conhecimento de Poética.
Houve um tempo, e não me refiro a priscas eras, mas a quatro ou cinco décadas atrás, e daí para baixo, em que as pessoas todas faziam lá seus versos. Todos faziam. As mulheres tinham seus cadernos de sonetos. Os homens faziam suas quadrinhas para a mulher amada, ou mesmo um soneto, que entregava em letra cursiva mesmo, num papel amarfanhado pela ansiedade da paixão. Mas ninguém ousava dizer-se poeta. Poeta era Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Vicente Carvalho, Raul de Leoni, Alphonsus de Guimaraens, Castro Alves, Cruz e Souza etc. Os cadernos de sonetos jamais saíam da gaveta; os homens apaixonados não passavam de uma serenata ou de um bilhete em versos, e o máximo que ouviam, em tom de pilhéria, por causa de seus arroubos, era “Fulano é um poeta!”. Porque vivia no mundo da lua – um nefelibata –, apaixonado, ou por suas idéias ingênuas, no máximo. O tom era mesmo o de galhofa. Havia pudor, havia profundo respeito pela arte de fazer versos. Era preciso nascer poeta.
Pois bem, hoje todos se acham encorajados a mostrar seus “cadernos de sonetos” – não mais sonetos, é claro, mas poeminhas em versos curtos, os modernos, sem qualquer idéia do que seja uma filosofia da composição – e, o que é pior, a publicá-los. E por que isso vem acontecendo? Pergunta fácil. Porque existem pessoas como o José Inácio Vieira Melo, que transforma poesia em objeto de feira – não literária, agora. Inácio vem substituindo a figura aliciadora de “menores poetas” chamada Luis Ademir Souza, criador e editor da vergonhosa, desastrosa Art-Contemp. Luis Ademir suspendeu as chuteiras, acho que agora se encontra envolvido com uma emissora de tevê no interior do estado. Acredito que já conte mais de 70 anos de idade. A tática de Ademir era afirmar que todo jovem poeta era genial, desde que o jovem poeta tivesse família, ou seja, que não fosse um Eliseu da vida. A família desse jovem, muito contente e muito ancha de si mesma, bancava de imediato a edição da criança, e lá estava o poeta precoce e gênio, o mais novo Rimbaud da cidade, estampado em notas de jornal como ilmiglior fabbro.
Inácio reúne, com a pompa de um desbravador pelo cerrado brasileiro, tal qual um Juscelino Kubitschek construindo a mais nova capital do país, 101 poetas aqui, 87 “artistas” acolá, e um punhado de crianças numa antologia chamada Sangue-Novo, no melhor estilo Ademir. Antologia, naturalmente, bancada pelas mães empolgadíssimas dos jovens poetas que, provavelmente, não leram Rilke.
O mais interessante é que aqueles cadernos da década de 1950 ou 40, jamais revelados, eram infinitamente superiores ao que se vem escrevendo hoje, e se publicando, como poesia “oficial”, com ou sem Aristóteles no meio, ou a Teogonia de Hesíodo. E de onde vem essa coragem, essa auto-afirmação despudorada? Ora, vivemos o tempo do curador e não do artista plástico. Até Mayrant Gallo é poeta, com a sua poesia que cai, cai, cai. Quem dita a regra hoje – e há algum tempo – é o produtor, não o artista. O homem mais influente no mundo das artes visuais, hoje, não é um artista plástico, mas um marchand, o suíço Hans Ulrich Obrist, eleito pela revista inglesa “Art Review” o nome mais influente do mundo da arte, em 2009. Essa inversão de valores, em que o “em vez de” passa a ser “ao invés de”, deflagra umas das mais graves pobrezas culturais, advindas da cultura de massa, da reificação adorniana, cultura do blog e excessivo respeito à liberdade de expressão – a mesma que faz com que jornalistas supostamente engraçados agridam as pessoas tendo como justificativa estarem fazendo seu trabalho. Com tudo o que se vê publicado por aí, o jovem “poeta” se pergunta, ansioso, e cada vez mais ansioso: “E por que não?”. Para cada dez pessoas, hoje, há onze poetas. Isso porque seus animais de estimação também fazem poesia.
Fabrícia Miranda participará da programação da Praça de Cordel e Poesia que, nas palavras do organizador, “vem com todo ímpeto” (!). Não sei o que ela lerá em seu dia, mas gosto muito de um poema de seu livro Ritos de Espelho, transcrito abaixo:
Do momento (Poema para o que é eterno)
Na parede, o relógio é pássaro doce.
Escolho (para mim) as horas certas.
Minha mão se esgarça
e nos dedos as unhas parecem esquecidas;
crustáceos pré-históricos.
É tarde, o caranguejo de sombra morde a carne
com pinças metálicas.
Metalizo-me como vozes de abelhas pretas.
Meu olho é entre a fechadura.
Vejo o eterno sem pressa.
O armário abafa o tempo
e guarda um girassol num guarda-chuva.
No chão, os pequenos números romanos fazem<
ciranda.
Não faço idéia de como funciona o evento. Se há um mediador fazendo o papel de Tia Arilma, com perguntas idiotas e “armadas”, do tipo: “Quanto de coragem é preciso para ser poeta?”, “Escrever é uma sina?”, “Por que você escreve?” etc. Mas estou certo de que será um acontecimento “apaixonado”, porque o Inácio, tal qual o Chatotorix, é um apaixonado por poesia. Dir-se-ia o “poeta apaixonado”, o que me faz pensar no cantor de arrocha Silvano Salles, “o cantor apaixonado”. Quanta desgraça já foi feita por paixão nesse mundo... É o estado de espírito mais perigoso num ser humano. Bom, sei que haverá leitura de poemas e um bate-papo com o autor.
Passei o olho na programação e fiquei triste por Fabrícia. A coisa é séria... Há toda espécie de objeto versejador não identificado. E há ainda a presença da poesia monótona, monocórdia, enfadonha e com incrível pobreza vocabular do Ruy Espinheira Filho e seus canhões de Amaralina cuspindo fumaça, que dividirá a mesa com a poesia maneirista e afetadíssima, com seus famosos decassílabos engessados, a poesia de Luis Antonio Cajazeira Ramos. Inácio, que não é bobo nem nada, divide a mesa com a poeta de âmbito nacional, Mariana Ianelli, porque seria pouco para ele dividir a mesa com uma Rita Santana... Ianelli, que já estreou publicando pela Iluminuras, sabe-se lá por quê, faz uma poesia acima da média, com palavras demais, mas ao menos com alguns versos bem construídos – poucos.
E Lívia Natália, vencedora do mais recente Prêmio Banco Capital, com sua poesia negra e de santo? Poesia para ganhar prêmio em nossa África pobremente reinventada, como bem afirmou o artista plástico santo-amarense Emanuel Araújo. Tudo o que Natália escreve diz respeito a sua pele e ao fato de ser filha de Oxum... Aqui isso é poesia. E há, é claro, as palavras e expressões poéticas do tipo “pele do infinito”, “memória do sol”, “trama retecida da minha alma” – essa é de Elisa Lucinda para baixo. Transcrevo um de seus poemas:
Rastro
Somos todos feitos da poeira de estrelas.
Elas apenas tangenciam nossos sonhos
inscrevendo-os na pele do infinito.
O Grão de brilho puro
rouba sua luz da memória do sol.
E, em sendo lembrança só,
gira fugidio à orla do céu imenso.
Há, na trama retecida da minha alma,
um ressoar silente como o das estrelas,
a que chamo angústia,
apesar da poeira luminosa e viva
que trago debaixo dos pés.
Inácio faz valer a sua formação em jornalismo ao soltar essa pérola de originalidade, no texto de divulgação do evento:
“Será um grande encontro poético, que, certamente, proporcionará ao público da Bienal do Livro da Bahia momentos de beleza e de pura magia (!)”.
Uma antífrase de vez em quando não faz mal algum.
E se porventura você perder o evento, não entre em pânico: Inácio estará em alguma outra feira literária, bem pertinho de você. Fabrícia Miranda não. Seu dia é, repito:
Sábado, 5 de novembro, às 19 horas.
E que Deus perdoe a humana idade dos poetas.
P.S.: Inácio é famoso por dar murro nas pessoas – que o diga o nariz de Elieser Cesar. Estranho, um poeta não ter palavras para contornar uma situação. Bom, quero registrar que nosso poeta apaixonado já me agrediu fisicamente – de raspão – e já me fez ameaças. Portanto, se eu sumir, depois da publicação desse texto, entrem em contato com a minha mãe.